8.10.21

Semear, gestar e florir

Saudade da  gestação. E de quando se voltar para si e para o ninho era uma escolha e não uma necessidade de sobrevivência por conta de um vírus e de uma desgovernança genocida...)

Saudade de ficar grávida - esse momento de máxima intimidade. E mergulhar em si mesmo, chamado sem igual à subjetividade... Alheia... Afinal, o mergulho é no desconhecido que cresce dentro de si, fazendo com que olhemos mais para nós, as mudanças do corpo, o outro que nos modifica, o contato íntimo com nosso corpo, a espera de um alguém...

Tudo que vem depois é feito de magias e descobertas diárias (e sem romantismo: perrengues, cansaço, exaustão mesmo também), mas a gestação parece um hiato, essa ponte que nos leva de um ponto a outro irreversivelmente e cujo percurso se dá internamente, quase invisível, e por isso nos deixa atentas aos sussurros, aos farfalhares na barriga, aos arrepios, aos salivares, às batidas no coração, dos corações...




(o saudosismo que despertou essa postagem veio da série Handmaid’s Tale, de ter organizado álbum de fotos de 2019 e o livro de Juliano Peçanha “Recusa do não-lugar”.
E, claro, a convivência diária e massiva com os dois filhotes, minhas ex-barrigas de 2017 e 2019...)

28.9.21

pó e cia

 Quando o olhar de alguém sob o mais prosaico do mundo vira magia, eis a poesia...

Obrigada Mathilde, uma das descobertas poéticas mais recentes.




21.9.21

MEIO CHEIO MEIO VAZIO - no meio do caminho tinha uma pandemia...

Não há como o copo estar cheio, não importa se a caneca é de ágata, uma xicrinha lascada ou uma taça de cristal, todos estão com sede.

Gostaria, mas não acredito na oportunidade de uma nova era, onde a humanidade esteja escutando os apelos do meio ambiente de que a usurpação desenfreada tem custos altos. Imagino a voracidade com a qual aqueles que estão com suas trincheiras em velocidade reduzida virão após terem quarentenado!

Saia de baixo quem puder!

Mas, sim, é verdade também que a pandemia nos deixa mais interligados. Só que a maneira como cada um precisa lidar com o vírus, nos põe ainda mais dentro de uma classe social. Cada papel na cadeia alimentar com uma máscara pegada à cara, sem flexibilidade sobre a possibilidade ou não de ter que sair para trabalhar, de ter renda, de terceirizar danos, de ter bom atendimento hospitalar, de ainda ter muita ou pouca vida pela frente. Nada disso por si só é garantia, mas faz muita diferença, vide as estatísticas de mortes.

Talvez para aqueles que tenham menos opções de escolha, o copo meio cheio seja acreditar que é apenas uma gripezinha. Aos com todas as opções, terceirizar ao máximo seus riscos e não desmentir tal ilusão.

À classe média, o meio termo... 

Meu copo meio vazio não me deixa ignorar a tragédia, mas tenho o copo meio cheio de poder me fechar no meu castelo - pelo qual pago aluguel todo mês - e onde vivo meu drama cotidiano pessoal.

A vida tragicômica: companheiro trabalhando por dois e eu com duas crianças pequenas (uma de meio ano e outra de quase 3) que me consomem a ponto de me distanciar dos acontecimentos épicos do momento. Mal dá tempo de ver/ler/ouvir qualquer notícia. Na casa o que mais  se ouve são os chamados de “mamaim”, os choros, apelos, mas também muitas risadas. Que privilégio contar com esses sons a todo momento! Meu pensamento e minha subjetividade são entrecortados a cada instante, toda palavra ou texto se trunca por semanas dentro de mim até poder encontrar sua fresta de escape... Por outro lado, há fluidez constante no diálogo com os primeiros balbuciares ininteligíveis de uma e as primeiras grandes fabulações do outro. Que únicas essas fases! 

Não posso desfrutar das inúmeras lives, mas ouço música o tempo todo. E mais: canto junto, as de ninar, as de roda, as de bater palma, tocar tamborzinho, fazer coreografias, dançar e ver a descoberta dos movimentos e a brincadeira com as articulações. E tento formar gostos musicais, negociando espaço das minhas preferidas para que alguma os embale também; apresentando as MPBs que me encantaram na infância quando eu cantava junto com minha mãe; aprendendo as que meu companheiro ensina ao meu filho.  Vamos formando um repertório todo nosso, de Caetano a Tiquequê, Marisa Monte a Palavra Cantada, pode ser Saltimbancos ou Galinha Pintadinha, sambas de todos os tipos ou músicas sertanejas de raiz e sei lá mais quantos estilos poderão nos contagiar até que surja a tal vacina.

E não é só, tem as leituras em dia: uns três livros toda noite. Até o filho estar garantidamente dormido. Literatura adulta? A bibliografia pra minha dissertação acadêmica? Impossível! E parei de sofrer, fico com os haicais que vivo com os filhotes. 

Por aqui também desenhamos, modelamos massinhas e bolhas de sabão, tatuamos com guache, com espuma no banho - body art que chama, né? Pintamos o sete: 7x24.

Até aderimos à tv, que antes era a vilã e agora é a mocinha, salvadora e redentora de tantos momentos, pivô dos conflitos do bem e do mal. Dizem que a quarentena tem sido ótima pra maratonar séries, por aqui Pepa Pig entra nessa conta. Por sorte também animações belíssimas, cheias de profundidade e que são apreciadas em cada camada, sendo vistas quase em looping, não sobrando quadro ou palavra que não seja decorada. Por semanas a fio, entramos nessa sala de cinema e ficamos pra ver a sessão seguinte e ainda voltamos no outro dia pra conferir mais uma vez.

Teatro? De bonecos, temos. Fantoches, faz de conta, mentirinhas... Mar de edredon, túnel de almofadas, floresta nos vasos, canoa na rede. Às vezes ela vira, mas aprendemos a ser peixinhos e saber nadar.

O copo também entorna, é derramado em birras, lágrimas de saudades, salivas de exasperação, suor de cansaço...  Mas nunca fica vazio. Por vezes tenho que lembrar de toda essa poesia listada, me ater pra não ficar sedenta da vida de antes e árida com tantas privações, e o saldo, assim colocado, lava a alma! Brindemos então!

(produzido em 06/2020)